PROJECTOS EM CURSO
CRIASONS IV
O CRIASONS – produzido por MUSICAMERA PRODUÇÕES – é um festival dedicado às tendências da música de câmara portuguesa contemporânea.
Em 2022 | 23 consagra a sua 4ª edição ao Teatro-Música e ao desenvolvimento deste género musical em Portugal, intimamente ligado ao trabalho da compositora Constança Capdeville. À semelhança das edições anteriores, o CRIASONS além de dar continuidade ao seu objectivo principal: a promoção e divulgação da música portuguesa contemporânea, procurará contribuir para a renovação de um género performativo que foi impactante para a cultura musical portuguesa a partir de finais da década de 70 do século XX.
No contexto europeu, compositores como Luciano Berio, Bruno Maderna, Mauricio Kagel, Sylvano Bussotti, Dieter Schnebel, György Ligeti, Luigi Nono e outros, estão associados à produção de teatro-música. Estas obras que foram compostas logo após o final da Segunda Guerra Mundial resultaram de experiências revolucionárias a nível da linguagem musical. O teatro-música, desde então, passou por múltiplas e significativas transformações e ajudou a repensar experimentalmente as tradições teatrais, os géneros artísticos, as convenções da performance e a relação do compositor com a sociedade.
A concepção de teatro-música de Constança Capdeville, na linhagem de alguns dos compositores supramencionados, adquire um rumo muito pessoal. Capdeville cunhou o termo teatro-música em alternativa à expressão teatro musical, mais conotado com o cabaré, com a produção da Broadway, a performance art e eventuais associações ao happening ou a certas propostas de improvisação livre. O teatro-música na perspectiva de Capdeville visa romper com as formas canónicas (como a ópera e o concerto). Não existe apenas uma partitura convencional e/ou um libreto, existem guiões e várias partituras, assim como uma multiplicidade de narrativas, referências, técnicas e meios utilizados. Segundo a compositora, era essencial repensar o conceito de palco, colocando novos desafios tanto à criação, como à interpretação. As obras de teatro-música de Constança Capdeville combinam diversas expressões artísticas como a música, o teatro e a dança, isto constitui um “contraponto heterogéneo” entre elementos de naturezas distintas (música, cenários, movimento, texto, eletroacústica, imagem, adereços, figurinos, luz), resultando numa criação original e própria.
A partir da década de 90 do século XX, muitas das obras de teatro-música caíram no esquecimento, possivelmente por terem sido pensadas como atos únicos e não para serem repetidas. A sua escrita nem sempre era fixa (tal como a partitura convencional) e a comunicação com os performers gerava uma multiplicidade de documentos (e.g., cada interveniente tinha um guião), e a obra no seu todo reunia o conjunto deste trabalho colaborativo. A dispersão dos diferentes documentos, assim como as dificuldades de localizá-los, reuni-los, organizá-los e compreendê-los, levou a que muitas dessas obras fossem apresentadas uma única vez. O interesse do Festival CRIASONS nestas obras tem como intuito dar-lhes uma maior visibilidade e uma nova vida através da sua recriação em palco.
Nos tempos atuais, de grande instabilidade cultural, económica, social (e pandémica), a renovada atenção dada a aspetos não-sonoros, teatrais e performativos, aliada às preocupações da preservação do património cultural, levou a um ressurgimento do interesse por este género performativo e pela sua história. Hoje o teatro-música divide o palco e concorre com uma ampla variedade de géneros (como por exemplo as instalações); a sua presença é importante seja em termos históricos e de consciencialização para as gerações sucessivas, mas também pelo impacto e atualidade da sua proposta, que lança desafios ao público contemporâneo.
Constança Capdeville é a grande representante do teatro-música em Portugal, sendo por isso o ponto de partida para a escolha do repertório que será apresentado nesta 4ª edição do festival. Será proporcionado um diálogo intergeracional, perpetuada a memória e o legado de inúmeros artistas envolvidos com o teatro-música do passado, do presente e do futuro e sublinhado o contributo fundamental que deram às artes performativas em Portugal.
A 4ª edição do Festival CRIASONS além da difusão do teatro-música, visará dar um novo fôlego criativo ao contexto musical da criação musical portuguesa e o justo reconhecimento à vida e à obra da compositora Constança Capdeville.
O festival contará com a participação de seis compositores residentes, sendo um deles a própria Constança, reconhecendo nesta forma de homenagem a sua “imortalidade” - ou intemporalidade. Um segundo elemento será selecionado em concurso. Chamados a compor o painel foram ainda os “históricos” António de Sousa Dias e Paulo Brandão e os mais jovens nestas lides João Pedro Oliveira e Joana Sá.
Serão apresentados seis programas em Lisboa e estes terão um carácter itinerante, estando posteriormente em digressão pelo país (e estrangeiro). Os programas deverão conter música dos Residentes / programadores e de outros compositores da sua afinidade (Mauricio Kagel, Miguel Azguime, Cândido Lima, entre outros).
Ainda no âmbito do festival, proceder-se-á à seleção de um compositor que integrará o painel dos residentes; este terá como desafio compor uma obra no contexto do teatro-música, ficando assim estabelecida a ponte entre o passado, o presente e o futuro.
O júri a cargo desta selecção será constituído por todos os compositores residentes e ainda por Carlos Alberto Augusto (consultor técnico e artístico) e Filipa Magalhães (musicóloga, consultora académica). Os criadores a concurso deverão apresentar uma maquete completa de um espectáculo que inclua, pelo menos, uma obra original.
No que respeita à programação, o festival apresentará obras ou excertos de obras da compositora Constança Capdeville, assim como de outros compositores portugueses como Jorge Peixinho, Clotilde Rosa, Lopes e Silva, Miguel Azguime, entre outros, e de compositores estrangeiros como Mauricio Kagel, John Cage, Luciano Berio, Bruno Maderna, Louis Andriessen e outros. A interpretação destas obras ficará a cargo do Ensemble Musicamerata, de formação variável, e com a integração de novos elementos como bailarinos, atores, mimos, para responder às características e concepções de cada uma das obras.
A nível de calendarização, a programação do festival decorrerá ao longo do ano de 2022, incluindo a realização do Concurso. O CRIASONS terá início no final do ano de 2022 e continuará no ano de 2023, estando previstas entre 12 a 18 apresentações.
O Festival CRIASONS deverá integrar ainda uma componente pedagógica. Serão realizadas acções de formação como workshops ou colóquios, em colaboração com o Plano Nacional das Artes. Também estão previstas intervenções na área do cinema, possivelmente em colaboração com alguns dos Festivais que se realizam em Portugal.
AUTORIAS
Filipa Magalhães nasceu em Coimbra, em 1979. Frequentou o Curso de Canto da Escola de Música do Conservatório Nacional sob a orientação da professora Filomena Amaro. É licenciada em Ciências Musicais e mestre em Artes Musicais: Estudos em Música e Tecnologias pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa. Em fevereiro de 2020, concluiu o doutoramento no ramo de CiênciasMusicais, especialidade de Ciências Musicais Históricas, na mesma Universidade. No âmbito da sua investigação dedica-se à preservação de obras no contexto do teatro-música,visando a sua documentação e estudo do ponto de vista musicológico e arquivístico. Na sua tese de doutoramento trabalhou especificamente sobre um conjunto de obras de teatro-música da compositora Constança Capdeville, tendo em vista a recuperação das mesmas através da sua documentação. Ainda no âmbito da sua investigação estagiou em várias instituições de relevo, tais como:o Arquivo Fonográfico de Viena, sob a orientação de Nadja Wallaszkovits; oIna–Institut National de l’Audiovisuel, um instituto de radio difusão pública cultural, recuperação e transmissão do património audiovisual francês, sob a orientação de Vincent Fromont; e o laboratório CSC–SMC / Soundand Music Computing Laboratories, sediado na Universidade dePádua, no qual decorreram as primeiras investigações sobre a aplicação de tecnologias eletrónicas e digitais ao som e à música, trabalhando diretamente com as coleções áudio de Luciano Berio e Luigi Nono, sob a orientação de Sergio Canazza. É atualmente membro do Grupo de Investigação em Música Contemporânea (GIMC), integrado no CESEM NOVAFCSH
Compositor, artista multimédia, performer e investigador, António de Sousa Dias (Lisboa,1959) é doutorado em Estética,Ciências e Tecnologias das Artes, diplomado com o Curso Superior de Composição e divide a sua actividade entre a criação, a pesquisa e o ensino.É autor de obras explorando diversos géneros (instrumental, electro-acústico,misto),música para cinema e audiovisuais (ficção, documentário, animação), performance, teatro musical e cruzamentos disciplinares.Foi membro do grupo ColecViva e colabora desde 1992 com o Grupo Música Nova.No seu percurso, o multimédia, a instalação e a criação visual também desempenham um importante papel:“...há dois ou...”(1998),“Ce désert estfaux”(2012),A Dama eo Unicórnio(poema de Maria Teresa Horta, TMSL/Temps d’Images/Dom Quixote,2013; Pagine d’Arte, 2017), Monthey'04 (LIMSI, FR, 2008, Arc-et-Senan, FR,2012) da série Tonnetz (MNAC, Lisboa, 2011). É igualmente co-autor deNatureza Morta | Stillebende Susana de SousaDias (MNAC, Lisboa, 2010), de Vertiges del’image com o colectivo Les Phonogénistes (DVD, FR, 2011), do projecto Mutabilis com Paula Pinto e Daniel Rondulha (TDI16, 2016; MV17, 2017; CDI, 2018) e a criação sonora e musical e performance em A Greve dos Controladores de Voo,deAlexandre Lyra Leite (2020). No seu trabalho encontra-se igualmente uma preocupação com a preservação do patrimóniomusical,manifesta na recuperação de obras musicais de compositores, comoJorgePeixinho,Constança Capdeville ou Jean-Claude Risset, tendo em vista a sua divulgação através da disponibilização para performance/interpretação.Actualmente é Professor Associado do departamento de Arte Multimédia da Faculdade deBelas-Artes da Universidade de Lisboa.
De seu nome completo Agustina Capdevilla Moreno, adotou Constança Capdeville com o nome artístico. Nasceu em Barcelona em 1937, em plena Guerra Civil Espanhola, e costumava dizer que tinha nascido debaixo do som de bombas. Na sequência dos tumultos político-sociais que se viviam no seu país de origem, em 1951, Capdeville muda-se juntamente com a sua família para Lisboa, tendo aqui permanecido até à data da sua morte, em1992.
As suas principais atividades repartiam-se entre a composição, o ensino e a interpretação. O seu percurso musical teve início na Escuela Normale del Ensino Particular, Academia del Centro Artistico Musical e Conservatorio del Liceo, ainda em Barcelona. Quando vem para Portugal, ingressa no Conservatório Nacional, tendo estudado com os professores Lourenço Varela Cid (piano), Santiago Kastner e Jorge Croner de Vasconcelos(composição). Os ensinamentos deste último professor, assim como a sua forte personalidade, deixaram marcas profundas em Capdeville, que perduraram até ao fim da sua vida. Nesta escola diplomou-se em Piano e Composição. Ainda enquanto aluna, ganhou o seu primeiro prémio de composição com a obra Variações sobre o nome de Igor Stravinsky, para órgão, de 1962. A busca incessante por novas experiências levou-a a frequentar seminários e cursos que lhe permitiram um contacto mais próximo com compositores como Philipp Jarnach, Günther Becker, Nadia Boulanger e Luís de Pablo,entre outros.
Esta multiplicidade de interesses repercutiu-se na diversidade de caminhos que trilhou, compondo obras para orquestra, música de câmara, instrumentos a solo,dança, teatro e cinema, e criando espetáculos cénico-musicais.Em 1969, a carreira de Capdeville sofreu um impulso determinante com a encomenda da obra Diferenças sobre um intervalo por Maria Madalena de Azeredo Perdigão, obra que denotava já uma linguagem musical muito particular.
A partir da composição de Momento I(1070/71), obra que Capdeville considera como o seu Opus I, mostra uma rutura com as formas musicais tradicionais caracterizada pelo seu trabalho exploratório em dois aspetos fundamentais: o tempo e a pesquisa tímbrica. Capdeville marcou de uma forma indelével o panorama da música portuguesa de vanguarda, sobretudo a partir do terceiro quartel do século XX. A compositora destacou-se pela sua vasta produção no contexto do teatro-música, ligando a pesquisa sonora a elementos teatrais, gestuais e nunca desligando a música das outras artes. Para interpretaras suas obras de teatro-música,a compositora fundou em 1985 o grupo ColecViva juntamente comAlejandro Erlich-Oliva (contrabaixo), João Natividade (coreografia,dança, movimento e mímica), Luís Madureira (voz), Olga Prats (piano),Oswaldo Maggi (mímica).Da sua principal produção destacam-se as obras:Momento I,Mise-en-Requiem,LiberaMe (versão de concerto),In somno pacis (piano, oboé, viola e contrabaixo),Vocem meam (voz solo), Amen para uma ausência (versão 1–quarteto; versão II–instrumento solo), Border Line(sax solo), Dilontano fa specchio il mare–Joly Braga Santos, in memoriam(conjunto instrumental ad libitum); música para bailadoLibera Me,Dimitriana,Lúdica,As Troianas; música para filmes Cerromaior (realização de Luís Filipe Rocha),Solo deViolino(realizado por Monique Ruttler); obras de teatro-música Don’t Juan,Memoriaequasi una fantasia II,Depois da valsa,FE...DE...RI...CO...,Pero non la luna,The Cage,Esboços para um Stabat Mater,Wom wom Cat(h)y–para Cathy Berberian.