Música e Migrações é um projeto que assume uma premissa tão simples como frontal: as Migrações, enquanto movimentos de pessoas propiciadores do contacto profícuo entre culturas, não são um facto a lamentar, nem um fenómeno a tolerar – são um processo a celebrar. Independentemente dos factores trágicos de alguns movimentos migratórios, os quais tantas vezes se devem às férreas garras da pobreza, dos conflitos militares ou dos desastres naturais, queremos aqui celebrar, incondicionalmente, os resultados dessas Migrações, no pressuposto de que a diversidade étnico-racial e o diálogo intercultural devem, sem dúvida, ser estimulados pelos agentes culturais. 

Celebramos as Migrações através da linguagem que é a nossa – a Música. É, pois, com a Música que festejamos a certeza de na diferença identitária nos reconhecermos iguais em dignidade. 

O projeto Música e Migrações contará com dois eixos: o eixo performativo e o eixo participativo. 

Prosseguir-se-á o eixo performativo através do cruzamento programático de três dimensões, cada uma delas também tripartida.  

A primeira dimensão diz respeito às geografias-âncora. Moçambique, inserido no contexto mais lato da cultura dos PALOP, é uma destas geografias-âncora, com a participação e curadoria do percussionista Aldovino Manguambe (1980), exímio intérprete que tem tocado com as mais diversas orquestras do panorama nacional, exercendo também prática docente. Outra geografia-âncora é o Brasil – inserido na abrangência da musicalidade latino-americana – e de lá contaremos com o jovem guitarrista erudito brasileiro Yuri Marchese (1989), que já recebeu diversos prémios de interpretação em Portugal e no Brasil. Uma terceira geografia-âncora será o Leste Europeu, tendo como epicentro a música de Isidora Zebeljan (1967-2020), compositora sérvia de renome internacional e a voz e orientação da celebrada cantora Natasa Sibalic (1972), que vingou entre nós com diversos projetos musicais multiculturais. 

A segunda dimensão prende-se com a temática da programação. No programa Terra, serão incluídas obras que nos levam para a interioridade, a ruralidade, o património folclórico. No programa Urbe, as obras a apresentar conduzem à cidade e às suas sonoridades. Por sua vez, no programa Viagens, as obras interpretadas remetem para a deslocação geográfica como modo de inspiração artística e para as diversas representações significacionais do exótico. 

A terceira dimensão concerne à tipologia do agrupamento musical. Neste âmbito, far-se-á uso do Quarteto Lopes-Graça, do agrupamento de solistas vocais Záve e do Ensemble Musicamerata, agrupamentos que têm dado provas nos diversos projetos Musicamera, e que poderão assumir geometrias de câmara ou de média dimensão orquestral e coral. 

Estas três dimensões cruzar-se-ão, interpenetrar-se-ão, de modo não estanque na nossa programação - como num caleidoscópio – ao longo dos próximos três anos, de 2024 a 2026. Temporadas que se deverão desenvolver no país e além fronteiras, visitando as diversas geografias contempladas. 

No que concerne ao eixo participativo, o mesmo intitular-se-á Arca dos Sons. A ter lugar numa cidade portuguesa ainda por definir, uma equipa local multidisciplinar – que integrará um animador sociocultural, um compositor e um produtor – trabalhará com uma comunidade multicultural no desenvolvimento coletivo de uma obra musical de carácter intercultural, construída a partir das vivências, patrimónios e cosmovisões dos próprios participantes. O processo culminará com um ciclo de apresentações públicas, em 2026. 

 Num tempo de radicalismos crescentes, diabolizadores do Outro e da Diferença, o projeto Música e Migrações visa representar um ato de júbilo artístico celebratório da diversidade que caracteriza o humano.